sexta-feira, 25 de julho de 2014

Os primeiros dinossauros poderão ter tido penas




Esta semana ficou a saber-se um pouco mais sobre a evolução das penas. Deixamos uma tradução do texto escrito por e publicado na secção “Notícias” da revista científica Science, sobre estas novas descobertas.

O artigo original pode ser lido aqui.



Um aparecimento precoce de características de aves? Este dinossauro do período Jurássico, mostrado numa reconstrução artística, tinha estruturas na sua pele que se assemelham a penas de dinossauros voadores de períodos tardios e de aves.



Os investigadores consideram unanimemente que as aves são dinossauros mas quando é que os dinossauros começaram efectivamente a ser aves? Novas escavações na Sibéria revelaram que um sinal inquestionável de que uma dada espécie é uma ave, a presença de penas, tem raízes muito profundas na árvore evolutiva dos dinossauros; de facto, os dinossauros poderão ter tido penas desde o início da sua existência, há cerca de 240 milhões de anos. 

O registo fóssil mostra claramente que as aves foram os únicos dinossauros a sobreviver a uma extinção em massa, há cerca de 66 milhões de anos, provavelmente causada pela colisão de um asteróide massivo contra a Terra.  Mas a última década ou duas de investigação, que foram marcadas pela descoberta de milhares de espécimes de aves primitivas e dinossauros voadores, também mostram que as penas foram uma inovação evolutiva que surgiu cedo - mesmo se provavelmente tenham surgido por motivos não relacionados com o voo activo, tal como o isolamento ou a exibição sexual. 

Quão cedo as penas surgiram tem sido matéria de debate. Apesar da melhor evidência da existência de penas ter sido encontrada num grupo de dinossauros carnívoros que remonta há cerca de 150 milhões de anos, e a partir do qual as aves evoluíram praticamente na mesma altura, têm também sido observadas estruturas filamentosas e hirsutas em dinossauros herbívoros evolutivamente distantes. Os exemplos mais marcantes têm sido Psittacosaurus, um primo do dinossauro Triceratops encontrado na Ásia e que data de cerca de 120 milhões de anos; e o Tianyulong, com cerca de 160 milhões de anos, encontrado na China e descrito em 2009. 

Se estas estruturas hirsutas representam penas primitivas, como os investigadores têm cada vez mais vindo a considerar, tal significa que as penas evoluíram nos dinossauros que precederam a separação evolutiva entre os designados saurísquios (que incluem as espécies carnívoras) e os ornitísquios (que englobam as espécies herbívoras) há mais de 200 milhões de anos. (Apesar dos seus nomes, os ornitísquios não estão relacionados com as aves, que são saurísquios.). 

“Há agora quase um consenso de que as estruturas hirsutas simples em Tianyulong e Psittacosaurus devem corresponder a estádios primitivos de desenvolvimento” do que os investigadores normalmente designam de “proto-penas”, diz Pascal Godefroit, um paleontólogo do Instituto Real Belga de Ciências Naturais, em Bruxelas. Mas ele e outros salientam que ainda faltam evidências sólidas para esta hipótese, em larga medida porque estes filamentos encontrados nestes herbívoros não têm a complexidade das proto-penas encontradas nos carnívoros primitivos. 

Em 2010, uma equipa liderada pela geóloga Sofia Sinitsa, do Instituto de Recursos Naturais, Ecologia e Criologia, na cidade siberiana de Chita, na Rússia, encontrou alguns fósseis de dinossauros perto do vale Kulinda. No início, os paleontólogos russos não ficaram muito impressionados porque os espécimes estavam fragmentados e mal conservados. Sinitsa encontrou mais fósseis em 2011 e 2012 e contactou Godefroit, cujo trabalho em aves primitivas é sobejamente conhecido, e outros investigadores. “Ficámos completamente em choque com as suas descobertas”, diz Godefroit, porque os novos espécimes tinham o tipo de estruturas complexas e multifilamentosas típicas de proto-penas. 

Nesta semana, na revista científica Science, Godefroit, Sinitsa e os seus colegas descrevem os detalhes de seis crânios parciais e de centenas de esqueletos do que chamaram Kulindadromeus zabaikalicus (de Kulinda, a localidade onde foram descobertos; dromeus, grego para “corredor”; e zabaikalicus, de Zabaikal krai [região], onde se localiza o vale Kulinda).
 
K. zabaikalicus, que pode datar de 175 milhões de anos, tem estruturas filamentosas na maior parte do seu corpo, incluindo a cabeça e tórax; mas os arranjos semelhantes a penas mais complexos encontram-se principalmente nos seus braços e pernas, num arranjo típico de muitos dinossauros carnívoros. “Pela primeira vez encontrámos estruturas compostas, mais complexas, em conjunto com estruturas semelhantes a pêlo mais simples” num dinossauro herbívoro, diz Godefroit, “que realmente se parecem com proto-penas em carnívoros mais avançados”. Godefroit e outros não afirmam que estes dinossauros primitivos conseguiriam voar porque os investigadores de um modo geral concordam em que as penas terão evoluído inicialmente para outros fins. Mas os achados sugerem que as penas poderão ter estado presente em alguns dos primeiros dinossauros e talvez fossem uma característica comum a todos os dinossauros.


Kulindadromeus fecha o acordo de que alguns dinossauros herbívoros tinham penas e é a melhor prova de que as penas não são algo que evoluiu apenas em dinossauros carnívoros” diz Stephen Brusatte, um paleontólogo da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido. “Diz-nos que as penas deverão ter surgido na evolução dos dinossauros mais cedo do que o que a maioria de nós pensava e que talvez o ancestral comum a todos os dinossauros tivesse tido penas.” 

Os achados são “uma descoberta fantástica”, diz o paleontólogo Xing Xu, do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia de Pequim. Mas adverte que os fósseis são ainda muito fragmentários para se ter a certeza que estruturas semelhantes a penas mais complexas realmente correspondem aquelas encontradas mais tarde nas aves. Por outro lado, diz Xu, o elevado número de esqueletos - que parecem representar diferentes idades, desde juvenis a adultos - prometem revelações importantes sobre os estádios de desenvolvimento das penas ao longo do crescimento dos dinossauros.